sábado, 3 de março de 2012

INACEITÁVEL: Estado teria favorecido monopólio na travessia das barcas para o Rio


A tarifa de R$ 4,50 para uso dos serviços de transporte das barcas, prevista para começar a vigorar neste sábado (3), provocou a revolta de passageiros ao longo da semana e reabriu uma discussão comercial sobre suposta prática de concorrência desleal no passado, com possível conivência governamental. No domingo (26), vândalos chegaram a depredar três embarcações de Barcas S/A rasgando assentos, quebrando televisores e janelas, esvaziando extintores de incêndio, bem como pichando frases nos banheiros contra o reajuste do valor, que deverá ser pago por usuários não portadores do Bilhete Único. Para os cadastrados no sistema, o preço será R$ 3,10, sendo a quantia restante subsidiada pelo governo estadual.
Mesmo assim, protestos pacíficos contra o aumento, na quinta-feira (1º), reuniu dezenas de manifestantes na frente das estações Araribóia e Praça XV, no Rio. Policiais foram destacados para ambas as manifestações, porém, não houve registro de tumultos ou violência. Em resposta aos atos, a concessionária obteve uma liminar da Justiça fixando uma multa de R$ 5 milhões contra um partido político e um professor, apontados como organizadores do movimento. No documento, Barcas S/A acrescentou, também, nomes de pessoas com perfil em redes socais que compartilharam um vídeo onde dois indivíduos ameaçavam levar álcool e fósforo para os manifestos.
Dessa forma, a concessionária retirou assentos dos terminais de embarque - segundo lojistas, com o objetivo de preservar a integridade das instalações, além da segurança de funcionários - e viaturas policias do Batalhão de Choque (BPChq) são mantidas nas proximidades das estações. Um novo ato já começou a ser articulado nas redes sociais para segunda-feira (5), às 7h. Por sua vez, a Secretaria de Estado de Transporte (Setrans) justificou que a elevação da passagem é necessária para permitir um equilíbrio econômico e financeiro da Barcas S/A, pois a empresa teria um déficit de R$ 106.584.837,69 em suas contas entre 2003 e 2008 - período em que a empresa baixou consideravelmente o valor da passagem.
Baseada em um estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Setrans sustenta, ainda, que caso a tarifa não seja alterada para R$ 4,50, a concessionária acumularia prejuízo de R$ 350 milhões no orçamento entre os anos de 1998 e 2008. O levantamento foi apresentado durante uma sessão da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio (Agetransp), em abril de 2011, órgão responsável pela contratação da análise para a revisão tarifária quinquenal, determinada no contrato de concessão.
Pela proposta, aprovada pela Agência, seria feita uma mudança na fórmula de ajuste, que deixaria de ser feita por linha e passaria a ser com base na receita total das barcas sociais dividida pelo número total de passageiros transportados. Através desse método, o valor único, de acordo com a pesquisa, deveria ser R$ 4,70 para todas as linhas. Ao fim do encontro, os conselheiros da Agetransp deliberaram pela recomendação ao governo estadual de subsidiar, da melhor forma, a diferença entre o valor homologado para cada itinerário e a tarifa única. Para o trajeto Praça XV-Araribóia a passagem seria de R$ 3,12 neste ano e R$ 3,18 em 2013.

CONCORRÊNCIA
O argumento de desequilíbrio econômico e financeiro para autorização do aumento tarifário reacendeu debates em torno das alegações do então presidente da Aerobarcos do Brasil Transportes e Turismo S/A (Transtur), Hamilton de Carvalho, para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em abril de 2009. Ao grupo criado para investigar acidentes ocorridos no sistema aquaviário fluminense, presidido pelo deputado estadual Gilberto Palmares (PT), o empresário afirmou que não teria mais condições de operar com segurança por não ter recebido do Estado o pagamento de uma dívida de R$ 23 milhões - hoje negociada para cerca de R$ 19 milhões -, referente à gratuidade.
“A empresa só suspendeu o serviço - em junho de 2008 - por ser uma instituição responsável. A inclusão da Transtur na lei da gratuidade foi o principal motivo da paralisação (...). Todos os passageiros que tinham esse direito migraram de Barcas S/A para o nosso serviço, (...) melhor. São cerca de 40 mil (idosos, estudantes e portadores de deficiências físicas) por mês, durante sete anos. Isso sem nenhuma ajuda estatal. A fonte de custeio nunca veio. A dívida (...) foi auditada pela Agetransp e pela Secretaria de Fazenda”, disse, em depoimento para a CPI, Carvalho.
“O ingresso de Barcas S/A no sistema seletivo foi predatório. O dumping (…) pela concorrência contava com o apoio do Estado (...)”, enfatizou o presidente da Transtur, na época, sublinhando a inércia dos governos no período, que contaria com tarifas idênticas das duas empresas no início da operação - R$ 5,00 -, sendo a de Barcas, reduzida depois para R$ 3,00 e até R$ 1,00, mesmo valor da passagem cobrada à embarcação tradicional. “Ou a (taxa) social estava muito elevada ou eles praticavam dumping”, completou.
De acordo com o relato do executivo, entre 2003 e 2007, Barcas S/A obteve uma autorização para explorar, sem licitação, uma linha seletiva no trecho Rio-Niterói-Rio, por conta de obras que ocorriam na Ponte. Entretanto, a permissão, conforme Hamilton, deveria valer apenas por esse período mas teria sido estendida de maneira irregular.
Sobre a prática de uma companhia oferecer serviços por preços abaixo do valor até prejudicar ou eliminar concorrentes, consultado, o professor de Finanças Públicas do Departamento de Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Cova, explicou tratar-se de uma situação de mercados não regulados.
“No caso das concessões, são necessárias apresentações de planos de negócios, porque ela precisam dar retorno. Quando o Estado se faz presente, agora, chamamos de parceria público-privada, pois não obtém-se o lucro sozinho”, diferenciou.
“Em uma economia capitalista, sem regulação ou leis para combater cartéis, a formação de preço para inviabilizar a operação de concorrentes, ainda que acarrete prejuízos ao longo do tempo, é tipificada pela Teoria da Concorrência como dumping”, acrescentou o professor.
Para Cova, a ausência de institucionalismo no Brasil molda uma cultura favorável para esse ação. “Povo tratado como gado se comporta como tal, por isso, é preciso pensar bem na hora de votar”, pontuou.


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